desCONSTRUINDO a obra “Tiradentes esquartejado 1893” de Pedro Américo
by Sakura Montana
janeiro 01, 2020
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Analisando a obra “Tiradentes esquartejado 1893”
Fotografia de M. Nogueira da Silva (1871) |
A obra “Tiradentes esquartejado de 1893” de Pedro Américo (1843-1905), sofreu várias influências estéticas de seu tempo, a forma com que o autor da obra retrata Tiradentes foi, e é vista ainda hoje como um retrato imaginário e simbólico de um herói injustiçado, porém, o que não é mostrado, é que o sentimento e impacto passado pela pintura é apenas reflexo da visão artística do autor, algo que não se refletia ao real acontecimento dos fatos. Pensando nisto quais influências artísticas e do próprio tempo o autor sofreu para representar Tiradentes de tal forma? E quais as necessidades fizeram com que o mesmo fizesse tal obra? Essas perguntas serão respondidas a seguir.
Pedro Américo de Figueiredo e Melo paraibano nascido em Areia em 1843 e falecido em Florença 1905, foi um importante pintor do século XIX, suas pinturas exaltavam a necessidade da formação de um sentimento nacionalista. Pedro pintou temas históricos como A Batalha de Campo Grande (1871), Fala do Trono (1873), Batalha do Avaí (1874) e O grito do Ipiranga (1888). Desde cedo ele demonstrava talento para as artes, ainda muito jovem participou como desenhista de uma expedição de naturalistas pelo nordeste, e recebeu apoio do governo para se formar na Academia Imperial de Belas Artes, ampliando seu estilo na pintura em consonância com as grandes tendências de seu tempo, fundindo elementos neoclássicos, românticos e realistas ás suas obras.
Em 1889 com a República proclamada, havia uma grande desistibilidade com um governo ainda descentralizado, tudo isso se intensificava com a renúncia de Deodoro em 1891, revoluções na capital e no sul (Revolta da Armada e Revolução Federalista) e a crise econômica e financeira do Encilhamento fragilizavam o novo regime.
A substituição de um governo e a construção de uma nação exigia uma unidade em torno de um projeto político, símbolos culturais nacionais foram de grande importância para que isso fosse possível, porém toda história e cultura da fragilizada República sempre se refletia na Monarquia. Uma das estratégias do governo para centralização e criação da formação e sentimento nacional, era eleger um herói.
“Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regime que não promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico. (…) A falta de envolvimento real do povo na implantação do regime leva à tentativa de compensação, por meio da mobilização simbólica. (José Murilo de Carvalho)
Tiradentes caiu como uma luva, como símbolo necessário, o único que foi executado na Conjuração Mineira atendia às exigências da mitificação imposta pelos republicanos, um herói que contrapunha a monarquia e que fora sacrificado pelos seus ideais (um mártir). Em sua imagem simbólica todos podiam identificar-se, criando uma unidade mística entre os cidadãos, um sentimento de participação, de união em torno de um ideal, fosse ele a liberdade, a independência ou a República.
Tiradentes tornou-se assim símbolo da República e, em 1890, (a data de sua morte) 21 de abril foi declarada feriado nacional. Em meados do mesmo ano, Pedro Américo perdeu sua posição de pintor oficial e, pouco depois, foi aposentado do cargo de professor da Academia de Belas Artes (1890).
As ligações de Américo com o regime deposto dificultavam as encomendas de trabalhos. Para reverter isso, no centenário da morte de Tiradentes (1892), o pintor por iniciativa própria, produziu a tela O Tiradentes Supliciado "Tiradentes esquartejado" procurando recuperar o apoio do governo, em especial do Estado de Minas Gerais para o qual ela a oferecia. A pintura faria parte de um conjunto de cinco telas que retratariam a tragédia da conjuração, porém apenas a primeira foi feita.
As ligações de Américo com o regime deposto dificultavam as encomendas de trabalhos. Para reverter isso, no centenário da morte de Tiradentes (1892), o pintor por iniciativa própria, produziu a tela O Tiradentes Supliciado "Tiradentes esquartejado" procurando recuperar o apoio do governo, em especial do Estado de Minas Gerais para o qual ela a oferecia. A pintura faria parte de um conjunto de cinco telas que retratariam a tragédia da conjuração, porém apenas a primeira foi feita.
Segundo a historiadora de arte, Maraliz Christo, a pintura de Pedro Américo foi rejeitada pela crítica em sua primeira aparição pública, no Rio de Janeiro, em 1893. A representação de um herói derrotado e esquartejado fugia dos ideais de heróis em ações adorados pelos republicanos. Só em 1943, cinquenta anos após sua exposição, que sua importância foi restabelecida, reproduzida no livro biográfico de Pedro Américo, escrito por Cardoso de Oliveira.
A tela de Pedro Américo começou a ser analisada mais a fundo, sendo observado alguns símbolos que reforçavam a representação mítica de Tiradentes, como a aparência de Cristo, o crucifixo ao lado da cabeça reforça a semelhança do herói martirizado com Jesus supliciado. A cabeça decepada e o corpo esquartejado sobre o cadafalso, como sobre um altar, destacam a violência do sistema colonial e também evocam a traição de que Tiradentes fora vítima traído por Joaquim Silvério dos Reis (Judas), e também pelos companheiros que se acovardaram e deixaram cair sobre ele toda a culpa. Essa nova releitura foi aceita pela população, marcado pela religiosidade cristã e ideais bíblicos.
A força do mito atravessou décadas e marcou outras datas contemporâneas: a inauguração de Brasília, a nova capital da República, em 1960 e o anúncio da morte de Tancredo Neves, o primeiro presidente civil eleito depois do regime militar. A notícia do óbito presidencial em 21 de abril de 1985 associou Tiradentes ao presidente que prometia a instauração da liberdade e a democracia. Três dias depois, comentava Eliakim Araújo no programa Globo Repórter (24/04/1985): “Esta noite, quando a histórica São João del Rei enterrou o seu presidente, reuniu num só destino dois filhos ilustres de seu chão: Tancredo de Almeida Neves e Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Patrono cívico da nação brasileira”
Crítica ao símbolo mítico incorporada a obra
Quase nada se sabe sobre a aparência física e os feitos de Tiradentes. Não se sabe se era branco ou mulato, rico ou pobre e mesmo seu verdadeiro papel na conjuração não é muito conhecido, gerando muito debate entre os historiadores. Tiradentes transformou-se em um mito sem ter sido plenamente conhecido como personagem histórico, mesmo tendo aparência física desconhecida, sabe-se que Tiradentes, sendo militar, usava barba raspada e bigodes fartos como todos os militares da época. Quando foi enforcado vestia um camisolão branco e estava com o cabelo e a barba totalmente raspados, como era costume para os condenados. Contudo, essa não foi a imagem dada ao herói.
A representação de Tiradentes ganhou representação religiosa, o mesmo foi associado a Cristo e recebeu a aparência consagrada pela iconografia cristã. A barba crescida, o rosto sereno e o olhar elevado aos céus reforçavam a associação de Tiradentes com a imagem de Cristo. Mas é bom lembrar que a representação de Tiradentes como Cristo não foi invenção dos republicanos e nem de Pedro Américo, poetas e escritores já tinham feito essa associação ainda na época do Império.
O quadro de Pedro Américo traz consigo símbolos que reforçam a visão de Tiradentes como matiris, o aproximando quase ao sagrado, abaixo podemos observar mais a fundo esses símbolos presentes em sua obra:
Obs: Anacronismo! Esse é o mapa do Brasil da contemporaneidade, o do império e republica tem quase as mesmas proporções porém, com separações de estados diferentes! |
- Como já dito acima, não se sabe ao certo a aparência de Tiradentes, porém o que se sabe é que o mesmo quando enforcado tinha barbas e cabelos raspados. Na tela de Pedro Américo ele é representado com longas barbas e cabelos se assemelhando a imagem de Jesus Cristo.
- O lugar aonde está o corpo esquartejado lembra um altar, o crucifixo ao lado reforça ainda mais essa ideia, fazendo referência ao sacrifício de Jesus e "sacrifício de Tiradentes"
- O corpo dilacerado de Tiradentes lembra o formato da bandeira do Brasil, fazendo referência a ele como herói do brasileiro e símbolo da República recém formada.
- A forma em que o braço se encontra disposto faz analogia clara a outras obras cristãs, como: A Pietà de Michelangelo (1497-1500), A desposição de Cristo de Caravaggio (1602-04), e a Morte de Marat de 1793 de Jacques Louis David.
- A forca esta localizada acima das casas, colocando o herói mais perto do céu.
Pietà de Michelangelo |
Thais Nívia de Lima e Fonseca. A Inconfidência Mineira e Tiradentes vistos pela Imprensa: a vitalização dos mitos (1930-1960)
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