Tricia Mcmillan é negra!

Trillian (Tricia McMillan) 1981 e 2005

Tricia Macmillan por Lord Phillock
    Recentemente fiz um post sobre O guia do mochileiro das galáxias clique aqui para ver; neste post falei sobre o livro e das adaptações para a TV e cinema, também levantei uma hipótese sobre sua popularidade; além disso falei sobre a representação da Tricia como mulher sexualizada (algo que também vou falar mais a frente neste post); porém pesquisando mais a fundo, me deparei com algo surpreendentemente novo, e que muitos dos leitores dos livros devem ter deixado passar batido; a Tricia é negra.


    Segundo o autor Douglas Adams; a personagem Tricia Macmillan (Trillian) é negra: de acordo com o Guia ela é descrita fisicamente, como:

 "..., um humanóide escura magro, com ondas longas de cabelo preto, uma boca cheia, um pequeno botão ímpar de um nariz e olhos ridiculamente castanhos." 

   A primeira coisa que fiz foi pesquisar mais sobre o assunto, achando varias ilustrações da personagem como negra, além disso notei vários gringos discutindo sobre o assunto:

Tradução acima 
Tradução: "... ,uma coisa que o filme de 2005 do Guia do mochileiro das Galáxias errou, foi a Trillian. Muito obrigado Hollywood, por mais uma vez branquear outro personagem, que foi descrito para ser uma mulher negra."
 
   Desconstruir toda a visão imaginária que eu tinha da personagem não foi fácil, pois meu primeiro contato com O guia do mochileiro das galáxias foi pelo filme, depois com o livro.  Fiquei muito impressionado pelo autor ter colocado uma personagem que tivesse essa representatividade, gerando uma identificação das mulheres negras que leriam o livro; porém na prática isso não aconteceu, pois todas as duas Tricia nas adaptações fílmicas que abrangiam maior alcance do público, eram brancas; isso me fez pensar "Por que é tão difícil colocar atores que representam estéticamente e culturalmente "símbolos" de determinada etnia, em papeis fora de seus esteriótipos impostos?" Essa questão me fez lembrar de outras séries e filmes, em que atores negros só interpretavam personagens dentro de seus esteriótipos, e quando era fora, eram embranquecidos (caso da Tricia).

Imagem da índia Tiger Lily, desenho Peter Pan e
Filme Pan 2015
   Um exemplo disso é do longa-metragem Deuses do Egito de 2016, em que todos os atores eram representados por atores brancos, sendo que a maioria da população "de lá" é negra. Outro close errado como esse, e da Índia "Princess Tiger Lily" do filme Pan (Peter Pan) de 2015; em que a índia é interpretada por uma atriz branca, WHAT???




   Um dos exemplos mais recentes da falta de representatividade étnica de personagens que não são necessariamente negros é do filme “Ghost in The Shell” (A vigilante do amanhã) em que a protagonista Motoko Kusanagi é interpretada por Scarlett Johansson, sendo que na obra original ela é oriental. A variedade étnica é “recompensada” no filme por papeis de personagens secundários e figurantes asiáticos. 


  Posso citar outros filmes como a Grande muralha, Filme  com símbolos culturais chineses, que nem se quer se preocupo em colocar o protagonista oriental.

   

  A reprodução de personagens fora dos esteriótipos em sua maioria é sempre assim no cinema, dando lugar a forçação de muitos produtores a colocarem personagens não protagonistas negros em filmes, ocupando papeis razoáveis mas com pouca relevância na história.

 Recentemente em filmes e séries alguns produtores colocam negros em papeis de professores ou médicos que aparecem aleatoriamente nos filmes só pra cumprir com a cota de diversidade, mas onde estão os negros como protagonistas? Produtores como esses, na verdade não se importam com pluralidade do elenco; a maioria colocam esses atores diversificados de forma forçosa para não serem criticados. Poucos filmes conseguem colocar diversificação com naturalidade, não forçando figurantes ou "melhores amigos negros dos protagonistas brancos" em filmes e séries.

Clique aqui para assistir Master of None
   Uma dica pra quem estiver interessado em ver uma série que critica essa dificuldade de representatividade por atores fora do esteriótipo, com bom humor e muita ironia; a série de comédia Master of None; que esta disponível no catálogo da Netflix; aborda muito bem isso. A premissa da série e de um ator Indiano, que procura por papeis em séries e comercias; porém, por causa de sua etnia os produtores sempre o contratam para fazer o 'papel do indiano", muitas vezes amigo do branco protagonista entre outros papeis secundários. Veja o trailer:


   Voltando ao caso da Tricia Mcmillan; abaixo eu irei falar mais da falta de sua representatividade como mulher negra nas adaptações, e o por que provavelmente o autor abriu mão disso.

    Antes de começar, gostaria de ressaltar que eu como homem, escrevendo um post sobre mulheres, posso estar deixando passar diversas coisas batido, pois muitas repressões sofridas pelas mesmas, eu não consigo assimilar; se tratando de um post de conteúdo "Feminista" (não sei se posso chama-lo assim pois é de minha autoria) espero não estar ferindo nenhuma pessoa do movimento ou colocando ideias contraria a ele.

O problema com Tricia Mcmillan 

Tricia e Douglas 1980
  Com certeza Douglas Adams teve dificuldade de criar uma personagem feminina como a Tricia. Primeiro, pelo fato do autor ser do sexo masculino, pois mesmo ele tendo uma mente desconstruída quanto a feminilidade e o esteriótipo do feminino, o mesmo pode incluir preconceitos ao personagem. Segundo, pelo ano em que o autor publicou o livro, 1979, época em que as mulheres ainda eram presas em certos padrões, e não tinham tanta visibilidade quanto hoje, ainda mais em ficções cientificas, Barbarella que o diga.

  Douglas Adams criou a Tricia como uma personagem forte e inteligente (ela é uma astrofísica inglesa segundo o livro), porem em algumas partes ela é colocada como donzela indefesa ou meramente uma mulher atraente exaltada pelos personagens homens. Se tratando das adaptações de 1981 e 2005, Douglas com certeza cedeu certa parte de representatividade original da sua personagem aos produtores para as adaptações, a adaptando de forma que "agrada-se o publico". Levando isso em consideração, irei analisar a representatividade da personagem nas diferentes adaptações de diferentes épocas, e discutir sobre sua etnia; separei a analise em duas partes: Trillian e seu figurino; Trillian como mulher e negra.

Trillian 1981/2005 e seu figurino

Sandra Dickinson como Trillian
   A primeira coisa que se percebe de diferente em Tricia, é sua vestimenta na série de TV de 1981. Já era de se esperar que nos anos 80 e 70 a personagem fosse representada de tal forma; mesmo com o autor vivo para mudar sua aparência, ele aceitou ou até deu a ideia de sexualizá-la (vai saber né). No livro a vestimenta da personagem é descrita assim:


"seu vermelho lenço amarrado dessa forma particular e seu vestido marrom de seda longo fluindo, ela parecia vagamente árabe". 


  Claramente nenhuma das adaptações cumprem com o papel de ser fiel a estética da personagem em questão de figurino; coisa que não é obrigação dos produtores, até por que é uma adaptação e não uma copia do livro, porém a forma que o personagem se apresenta nas adaptações influência diretamente na sua representatividade.

Princesa Leia "escrava"
   Na série de 1981 a Tricia, interpretada por Sandra Dickinson, está quase despida, vestindo um Maiô vermelho hiper decotado; "normal" para época em que a maioria das mulheres eram sexualizadas em ficção cientifica; um exemplo disso em outro filme, é da vestimenta da Princesa Leia em Star Wars, Episódio VI – O Retorno do Jedi de 1983; em que ela veste um biquíni dourado com uma corrente ao redor do pescoço; mesmo sendo uma personagem de representação forte e inteligente (assim como Tricia), diplomata, comandante, politica e guerreira, a mesma não deixou de cair nas mãos de produtores que não souberam lidar com o empoderamento da personagem, fazendo com que ela fosse mais uma de muitas personagens femininas constantemente diminuídas, para melhor caberem dentro do espaço que o machismo considera normal.

Tricia na cena do Banho
Tricia de 2005


   A representação de Tricia interpretada por Zooey Deschanel em 2005 tem uma grande mudança, no quesito figurino; mesmo não sendo fiel a vestimenta descrita pelo livro ainda (que não é uma obrigação dos produtores, como já havia dito acima) a personagem agora adota uma roupa mais recatada sem apelação pra sexualidade da personagem. A sexualização dela só aparece na cena em que ela toma banho.


   Querendo ou não, alguns filmes tem apelo sexual; isso vira um problema quando eles diminuem ou colocam determinado personagem com determinada roupa como se fosse natural, incomodando quem o mesmo representa, coisa que não aconteceu no filme.

Trillian 1981/2005 como mulher e negra

Caidinha pela labia do Bad boy
  Se tratando da representatividade do personagem como mulher, voltamos a falar dos papeis do esteriótipo. Todos nós sabemos os padrões impostos a uma mulher, mesmo havendo uma pequena ruptura nas exigências desses padrões na contemporaneidade, eles ainda continuam sendo apresentados em filmes, séries e livros; com a personagem Trícia isso se mostra ambíguo; o autor por um lado a coloca como uma personagem forte sendo uma das mais inteligentes da tripulação da nave coração de ouro, porém mesmo sendo inteligente, ela não deixa o esteriótipo do feminino de lado, sendo muitas vezes ignorada pelos homens, que a julgam como inferior (pra min isso foi a maneira do autor mostrar o machismo através dos personagens masculinos de forma irônica, isso não quer dizer que o mesmo seja machista). Todos personagens homens a vê como donzela em perigo, ignorando suas habilidades; a vendo muitas vezes apenas como um pedaço de carne.


   No longa-metragem de 2005 sua depreciação é mostrada com mais leveza, preservando a intelectualidade da personagem interpretada por Zooey, se encaixando na descrição física do livro, porém ignorando o fato dela ser uma astro física (algo não mencionado no filme). Já na versão da BBC para a TV de 1981, ela foi interpretada por Sandra Dickinson, atriz americana conhecida por interpretar os estereótipos de loira burra, algo que realmente não se encaixou adequadamente no papel da personagem.



Tricia Negra sim!
   A inexistência de representatividade da personagem como negra nas adaptações, é esclarecedora; é obvio que isso se deve unicamente ao preconceito. A industria cinematográfica já é famosa por embranquecer personagens negros que tem papeis significativos na trama, isso não é novidade; se tratando da série de 1981, levando em consideração a época em que ela foi produzida; intendemos o por que a Tricia foi representada daquele jeito (branca, loira, "burra" e hipersexualizada), isso se deve ao esteriótipo e a imagem da mulheres vendidas nos filmes e séries na época. O autor Douglas Adamas que ainda estava vivo na época (morreu em 2001), com certeza cedeu aos pedidos dos produtores de mudar a estética da personagem para o programa "ter mais aceitação do publico".

  Já o filme de 2005, mesmo tendo personagens negros como o Ford Prefect e evoluindo no quesito figurino, o papel da personagem continuou ignorando sua identidade (etnia) original, colocando uma atriz branca de olhos azuis para a interpretá-la.



  Alguns de vocês devem estar pensando: “Ford na adaptação de 2005 é negro, sendo que no original ele é ruivo!” ou ate mesmo pensando no termo “enegrecimento” argumentando que: “o enegrecimento de personagens brancos é a mesma coisa que o embranquecimento!”. Se sim! Chega mais que vou explica o porquê o “enegrecimento” de um personagem branco não surti tanto efeito quanto a troca de etnia de um personagem que representa alguma minoria.

CHEGA MAIS!
  Pessoas privilegiadas (Brancos, cis, heteros...) tem grande representatividade no cinema dês dos primórdios, os mesmos estão cheio de filmes com representatividade branca, de brancos bem sucedidos, ricos, inteligentes por aí... (inclusive personagens brancos protagonistas da realeza, donos de escravos, em filmes de época né nom?) Então se um personagem que antes era branco for colocado como negro a representatividade das pessoas brancas não fica abalada; os brancos não precisam de tal representatividade, até porque os mesmos não foram escravizados, mortos e esvaziados culturalmente e historicamente, então não é mais do que a obrigação dos produtores e diretores dos filmes de dar a devida representatividade as minorias em filmes. Negros só estão sendo bem representado no cinema nos últimos anos, o mesmo vale para mulheres, LGBT, indianos, orientais entre outras minorias.

Muita calma nessa hora!
Mesmo depois dessa explicação alguns de vocês ainda devem estar argumentando “Isso é mimi, problematização sem necessidade” ou ate mesmo defendendo o mito do “racismo inverso”. Se você é um fã sincero do Guia, apenas reflita sobre o que o próprio autor quis passar com a ficção. No livro, Douglas Adams utiliza seu humor irônico para fazer uma critica direta as desigualdades sociais e preconceitos, além de criticar o capitalismo, racismo e a religião, enfim, sabendo disso com certeza você tem que concordar que houve falta de representatividade sim!

Agora é só torcer para que a próxima adaptação tenha uma Tricia negra, de acordo com as características originais do livro.

   E você? O que acha do embranquecimento de personagens na indústria cinematográfica? acha que isso influencia na aceitação do público? ou acha que deve haver sim diversidade em papeis principais, entre pessoas de etnias diferentes que atuam fora de seus esteriótipos? Comentem ai embaixo! um debate saudável sobre o assunto é sempre bem vindo. Não se esqueça de curtir e compartilhar o post; beijos e até mais! 


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